quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Doutrinação: não!


Eu aprendi que toda história tem 2 lados. 

Que devemos sempre conhecer “os 2 lados da moeda” de alguma coisa antes de tomar uma decisão. 
Bem, neste mundo pós-moderno, pluralizado, cheio de opções, acho que hoje nossa moeda tem uns 15 lados, não apenas 2. 
Mas ainda continua a valendo a ideia por trás da máxima “2 lados da moeda” de que não podemos tomar decisões e posições conhecendo apenas 1 parte da história.




O mundo moderno trouxe múltiplas opções. Para cada uma delas, há um mar de informações e, realmente, é impossível saber tudo sobre todas as opções. Eu já escrevi aqui que no processo de aprendizado, devemos atentar para 3 partes do processo: o didático, para colher informações, o crítico ou analítico, quando analisamos e criticamos as informações recebidas a fim de selecionar e modelar as informações e o produtivo, quando realmente produzimos algo e “escolhemos um lado”, baseado naquilo que aprendemos. Essas 3 etapas, de acordo com minha visão, aplicam-se a tudo na vida. Ao processo macro educativo, quando uma pessoa frequenta a sala de aula, da pré-escola à faculdade. E em cada processo de busca de informação.
Por exemplo, ao escolher um posicionamento político ou ideológico, para seguir ele ou para difundir e falar sobre ele, como se dariam estas 3 etapas?
Primeiro, vou colher informações sobre os posicionamentos existentes, possíveis. Vou estudar a história e as teorias. Os resultados práticos destas posições nos lugares onde já foi aplicada etc. Primeiro eu preciso conhecer, por exemplo, sobre capitalismo e socialismo, sobre direita e esquerda, sobre terceiro setor (que é a alternativa a esta dualidade).
Depois preciso ter uma visão crítica quanto a isso tudo. Preciso questionar. Quem disse tal coisa. E por quê? Ao dizer o que disse, foi influenciado pela sua própria experiência pessoal? Em que ponto isso afetou sua visão de mundo? Isso que foi dito em tal lugar e em tal tempo, aplica-se diretamente ao meu lugar e ao meu agora? Ou preciso filtrar os princípios por trás do que foi dito e contextualizar a aplicação para a minha realidade atual? Eu preciso questionar, selecionar, adaptar, contextualizar, criticar, analisar tudo o que eu li e aprendi. Senão, corro o risco de querer andar com os sapatos de outra pessoa, sem sequer ser o mesmo número que eu calço.
Em terceiro lugar, para que eu possa me posicionar quanto ao que eu aprendi, emitir uma opinião consistente e segura, após esse aprendizado e análise, eu tomarei cuidado em falar de forma objetiva e sincera. Não posso, por exemplo, falar que o socialismo (tal como pregam, não na sua etimologia) é uma opção viável no século XXI, ao estudar os resultados históricos de todas as suas tentativas de aplicação prática, nas mais diversas configurações históricas. Seria ignorar o que não me interessa para chegar ao resultado que eu previamente desejava chegar.
Se eu faço isso, se faço uma escolha de algo que objetivamente estudado demonstra-se falido, é porque, provavelmente, não estudei os 15 lados da moeda! É aqui que entra o conceito de “doutrinação”. O conceito de “lavagem cerebral”. Se eu olho para os lados da moeda e percebo, de forma objetiva, que o que eu pensava ser correto não é, então devo reavaliar meus conceitos iniciais e reestudar meu posicionamento.
Essas 3 etapas do estudo não são isoladas. Enquanto pratico a busca da informação, há algo de crítica e emissão de opinião, mas poucas. Depois, durante a fase crítica, provavelmente vou precisar voltar a buscar novas informações, para complementar alguma nova visão que tive de uma informação, e também vou emitir posicionamentos. Na fase de emitir opiniões, de produzir algo, com certeza, precisarei revisar as 2 primeiras etapas e até ampliá-las. Isso faz parte do processo. É um ciclo normal. Mas eu preciso ter em mente que preciso respeitar os processos. E vou crescendo com eles. Numa primeira análise, minhas análises são simplórias. Depois, vou aprofundando gradativamente à medida que aprofundo meus conhecimentos e análises. É normal. E não há fim para esse aprofundamento.
Mas, se por algum motivo, sou exposto a uma doutrina (política, religiosa, ideológica, filosófica etc.) e estudo e conheço apenas um lado, uma vertente desta questão, sem explorar, conhecer e criticar os outros lados, os contraditórios, as alternativas na mesma proporção, então estou sendo doutrinado. Eu preciso, antes de me posicionar, ser colocado diante de todas as opções. Se numa faculdade, a bibliografia do professor de história mostra apenas livros de vertente socialista, sem dar aos alunos, que estão sendo apresentados a esta questão, a oportunidade de ler livros de vertente capitalista, liberal, conservadora, fundamentalista e outras, na mesma proporção, para poderem analisar os vários pontos de vista, então claramente está havendo doutrinação.
Hegel disse que toda tese (chamemos de ponto de vista fundamentado) gera ou tem uma antítese, seu contraditório, seu oposto. Do confronto de ambas, surge a síntese, até porque nenhum ponto de vista original tem 100% de acerto. Então, o mais provável é que deste confronto surjam questões que se fundam para formar uma nova ideia. Essa síntese, fruto do confronto da tese e antítese (duas ideias originalmente opostas), gera uma nova tese, que provocará uma nova antítese e assim vai, para que possamos, ao longo do tempo, chegar a algo mais equilibrado.
A Bíblia resume o processo da busca do conhecimento de forma muito objetiva. O apóstolo Paulo diz assim “Examinai tudo. Retende o bem” (I Ts 5: 21). Não há meio mais sintético de explicar isso. Examinai tudo é exatamente o que eu vinha falando sobre a busca e a crítica do conhecimento. Todas as vertentes, analisadas de forma minuciosa e crítica (este é o sentido da palavra “examinai” utilizada por ele). Primeiro devemos examinar tudo. Mas ele termina dizendo que o que deve permanecer em minha mente é algo filtrado pelos princípios morais estabelecidos no início. Devemos reter o bem. O que deve prevalecer é aquilo que gera o bem, que tem o bem como princípio motor. Que tem o bem como norteador. Ou poderíamos dizer o amor, princípio base de tudo. Daí, podemos ver que se retivermos o bem, iremos buscar as verdades pelos princípios que geram o bem, para mim e para a sociedade (na linguagem bíblica, para o meu próximo). Se algo que eu faço em particular prejudica outras pessoas (se me afasto do bem, ao invés de retê-lo), não deveria ser isso que deveria nortear minha escolha. Mas para conseguir chegar a reter o bem, eu preciso antes examinar tudo. Preciso entender os princípios do bem. Para a bíblia, o filtro é moral. Mas, no fim das contas, para chegar à síntese de Hegel, em examinar tudo (as teses e antíteses, os contraditórios, as alternativas etc.), meu filtro é moral. É o bem.
Eu tenho minha própria teoria. A “gangorra das ideias”. Se eu vivo ou acredito ou conheço uma ideia a princípio, estou num lado da gangorra abaixado. Então sou exposto à sua antítese, conheço o outro lado e passo para o outro lado da gangorra. Depois volto e este movimento se repete, enquanto vou conhecendo e analisando os extremos, até chegar a um equilíbrio. Neste processo, se resolvo tomar decisões e viver em virtude do que aprendi antes de chegar a um equilíbrio, sou levado a extremos e, por vezes, a atitudes que depois terei que reequilibrar.
Enfim, não dá para viver e tomar decisões e emitir opiniões quando se conhece apenas 1 lado da moeda. É preciso buscar informações consistentes. E saber qual será o fio condutor que norteará minhas escolhas. Se o que eu busco é um meio de obter vantagens, não importando o que aconteça com os outros, então minha escolha será uma, mesmo que eu faça todas as análises e conheça tudo o que estiver ao meu alcance. Mas se meus princípios me levam a buscar algo de bom para mim, desde que não prejudique os outros e, quando possível, ainda gere algum benefício para o todo, então minhas escolhas serão outras, baseado naquilo que conheço.
Mas se, ao buscar o conhecimento, eu só analisar as vantagens de uma determinada ideia, ignorar suas desvantagens e só olhar o lado negativo de sua antítese, em sequer considerar suas vantagens, então estou escolhendo antes a ideia do que os princípios, ou seja, se eu seleciono o que vou aprender, o que vou conhecer, significa que eu desejo que as minhas conclusões recaiam sobre determinado lado. Preciso definir, antes de tudo, meus princípios. Isso se aprende antes do conhecimento. É o simples “mentir é feio” que o pai ensina para a criança. Não pode roubar. Seja sincero e honesto. São os princípios. Norteiam as buscas, os aprendizados.
Examinemos tudo. Vamos reter o que é bom.


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